domingo, 14 de junho de 2009

O resgate

A última ilusão foi partir espelhos -
E nas salas ducais, os frisos de esculturas
Desfizeram-se em pó... Todas as bordaduras
Caíram de repente aos reposteiros velhos.

Atónito, parei na grande escadaria
Olhando as destroçadas, imperiais riquezas...
Dos lustres de cristal - as velas de oiro, acesas,
Quebravam-se também sobre a tapeçaria...

Rasgavam-se cetins, abatiam-se escudos;
Estalavam de cor os grifos dos ornatos.
Pelas molduras de honra, os lendários retratos
Sumiam-se de medo, a roçagar veludos...

Doido! Trazer ali os meus desdéns crispados!...
Tectos de frescos, pouco a pouco enegreciam;
Panos de Arrás do que não-Fui emurcheciam -
Velavam-se brasões, subitamente errados...

Então, eu mesmo fui trancar todas as portas;
Fechei-me a Bronze eterno em meus salões ruídos...
- Se arranho o meu despeito entre vidros partidos,
Estilizei em Mim as doiraduras mortas!

Mário Sá Carneiro
Camarate, Outubro de 1914

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